Alimentos e nutrientes para a cognição humana

Um mundo cada vez mais complexo exige habilidades cognitivas de um cérebro que evoluiu para um ambiente fundamentalmente diferente. Por isso, estratégias para melhorar a aquisição e manutenção de habilidades cognitivas são cada vez mais importantes em nível individual e social.

O mais conhecido e utilizado alimento com influência sobre o funcionamento cerebral é o café. Integrante da maioria dos suplementos desenvolvidos com esse fim, seus benefícios cognitivos são tipicamente atribuídos à cafeína, que exerce seus efeitos através do antagonismo não seletivo dos receptores de adenosina.

Mas ele não atua apenas dessa forma, nem é o único com benefícios comprovados sobre o desempenho intelectual. Isso é importante ao lembrar que o aprimoramento cognitivo é um conceito multifacetado. Não há um aprimorador cognitivo que aumente a função cerebral por si só, mas uma grande variedade de intervenções que podem ser agrupadas em estratégias de aprimoramento bioquímico, físico e comportamental.

Siga no texto e confira mais sobre o café e outros alimentos e nutrientes que podem, de maneira sinérgica, incrementar o desempenho cognitivo.

Café

Os benefícios mais observados pela ingestão regular de café são devido aos efeitos conhecidos da cafeína em antagonizar os receptores de adenosina A1 e A2A, aumentando o metabolismo do oxigênio e regulando vários neurotransmissores, incluindo noradrenalina, dopamina, serotonina, acetilcolina, glutamato e GABA.

Mas o café contém mais de 1.000 compostos diferentes, incluindo fenólicos, diterpenos e melanoidinas, todos com potencial de afetar o comportamento direta ou indiretamente por meio da interação com a cafeína. Isso é demonstrado por estudos que mostram efeitos psicoativos diretos e modulação dos efeitos da cafeína pelo aminoácido L-teanina, presente no chá verde.

Em estudo duplo-cego, realizado com 59 adultos saudáveis, pesquisadores concluíram que o consumo de “café regular” (sem leite e sem açúcar) contendo 100mg de cafeína levou a:

• Respostas mais rápidas durante as tarefas de vigilância digital e processamento rápido de informações visuais;
• Maior precisão da vigilância digital, quando comparado ao café descafeinado.
• Classificações mais altas de alerta e humor geral;
• Classificações mais baixas de fadiga mental, cansaço e dor de cabeça.

Médias ajustadas + erro padrão para as medidas de humor que mostram efeitos significativos relacionados ao tratamento. (a) Alerta; (b) Cansaço; (c) Dor de cabeça; (d) Humor; (e) Fadiga mental. As classificações são medidas como % ao longo de uma escala analógica visual, com valores mais altos indicando maior resposta. YM = homem jovem; YF = mulher jovem; OM = homem mais velho; OF = mulher mais velha; p < 0,05; ** p < 0,005; ** p < 0,001; (f) Tempo de reação do processamento rápido de informações visuais (RVIP, na sigla em inglês). O tempo de reação em milissegundos.

A cafeína e seus metabólitos possuem ainda uma série de propriedades mecanicistas, que os tornam passíveis de ter um efeito modulatório ou interativo. Especialmente quando a cafeína é consumida concomitantemente com outros compostos bioativos. Esses efeitos incluem:

• Inibição de enzimas envolvidas na quebra de neurotransmissores – como acetilcolinesterase e monoamina oxidase – e moléculas de sinalização celular – como fosfodiesterase e PARP (poli(ADP-ribose)polimerase));
• Papel como um substrato competitivo para várias enzimas do citocromo P450 (CYP) (CYP2A1, CYP2E1 e CYP1A1) que metabolizam substâncias químicas endógenas e exógenas no corpo humano.

Triglicerídios de Cadeia Média

Os triglicerídeos de cadeia média (MCT, na sigla em inglês) são ácidos graxos mistos, com um comprimento de cadeia entre 6 e 12 átomos de carbono. Fontes naturais de MCTs incluem óleo de coco, óleo de palmiste e leite materno. Os MCTs são menos comuns nas dietas ocidentais, sendo que a maioria dos ácidos graxos consumidos é de cadeia longa, contendo mais de 12 átomos de carbono.

Pesquisa realizada pela Liverpool Hope University concluiu que 2 a 3 semanas de suplementação com 12g a 18g/dia de MCT levam a melhoria no desempenho em tarefas cognitivas, especificamente velocidade de processamento, sequenciamento e/ou habilidades visomotoras, quando comparado a um grupo placebo, que tomou um gel de carboidratos.

Como os participantes do presente estudo suplementaram MCTs juntamente com sua dieta habitual, os resultados sugerem que a ingestão de MCT melhora a cognição independente da composição geral de macronutrientes. Assim, a suplementação de MCT pode ser incorporada muito mais facilmente na dieta das pessoas, em vez de precisar ter uma dieta totalmente cetogênica.

Decomposição e circulação dos triglicerídeos de cadeia média:

(1) Triglicerídeos de cadeia média (contendo ácido decanóico e ácido octanóico) são consumidos como parte da dieta;
(2) Ácidos graxos de cadeia média (ácido decanóico e ácido octanóico) são liberados dos triglicerídeos no intestino e depois transferidos para
o fígado;
(3) No fígado, a maioria desses ácidos graxos de cadeia média é quebrada em três corpos cetônicos (β-hidroxibutirato, acetoacetato e acetona);
(4) Tanto os ácidos graxos livres, quanto as cetonas, são transportados para o cérebro através da circulação sanguínea;
(5) Ácidos graxos e cetonas são transportados através da barreira hematoencefálica, onde ficam disponíveis como fonte de energia para as
células cerebrais.

Tirosina

O aminoácido tirosina é o precurssor dos neurotransmissores catecolaminérgicos: dopamina e norepinefrina. Isso ocorre devido à sua conversão em L-3,4-diidroxifenilalanina (L-DOPA), o precursor direto da dopamina. Assim, o aumento da captação de tirosina pode influenciar positivamente o funcionamento psicológico relacionado às catecolaminas.

Uma revisão de 1996 sobre precursores de neurotransmissores dietéticos relatou efeitos benéficos da tirosina no desempenho de tarefas cognitivas, fadiga e estado de alerta geral sob várias condições estressantes.

Pesquisa mais recente, de 2015, encontrou que a ingestão de tirosina tem potencial para combater os decréscimos na memória de trabalho, o processamento lento de informações e a piora do humor que podem ser induzidas por situações física ou mentalmente exigentes. Além disso, mesmo na ausência de condições extremas, os pesquisadores concluíram que a tirosina pode melhorar o pensamento convergente.

Guaraná e vitaminas do complexo B

Fonte de cafeína, o guaraná tem efeitos neurocognitivos conhecidos, incluindo aumento do estado de alerta, calma e desempenho da memória. Já os efeitos benéficos da suplementação com vitaminas do complexo B e minerais se deve a uma série de mecanismos biológicos durante o metabolismo celular. Esses incluem:

• Influência positiva na síntese e integridade de fosfolipídios, proteínas e DNA;
• Ação neuroprotetora e de redução dos níveis de homocisteína;
• Aumento na produção de catecolaminas e outras monoaminas;
• Envolvimento no metabolismo do folato, cujos níveis se correlacionam com o humor e o desempenho cognitivo.

Estudo realizado pela Universidade de Groningen, Holanda, comparou os efeitos da ingestão de preparações multivitamínicas com ou sem guaraná e placebo. Os 20 participantes, com idade média de 29 anos, foram submetidos à avaliação neurocognitiva, que consistia de uma bateria de demanda cognitiva de 10 minutos, com avaliações de humor tomadas imediatamente antes e após a bateria.

Cinco participantes adicionais foram submetidos à varredura de ressonância magnética funcional durante as tarefas de ativação do Processamento Rápido de Informações Visuais e do Tempo de Inspeção.

Efeitos de vitaminas e minerais isolados (VITS) e com guaraná (VITS + GUARANÁ), em comparação com placebo, no teste Serial Threes, em que os participantes devem fazer subtrações sequenciais, de três em três.

O tratamento multivitamínico com guaraná foi associado a uma melhora significativa no desempenho de Serial Threes, em que os participantes devem fazer subtrações sequenciais, e na auto-avaliação de humor. A ressonância magnética revelou que ambos os tratamentos multivitamínicos aumentaram a ativação em áreas associadas à memória de trabalho e ao processamento atencional, sendo o efeito maior na combinação com guaraná.

Vistas posterior (painel superior) e lateral esquerda (meio) e dorsal (inferior) das superfícies cerebrais mostram ativação durante a tarefa de processamento rápido de informações visuais para VITS > Placebo (A), VITS + Guaraná > Placebo (B) e VITS + Guaraná > VITS (C).

Chá verde

A Camellia sinensis, comumente conhecida como chá verde, tem uma longa história na cultura humana, sendo considerada por muitos anos como possuidora de propriedades medicinais. Seu chá, preparado a partir de folhas cozidas no vapor, é composto de muitas substâncias, com destaque para as catequinas (30-42% do peso do extrato sólido). Entre elas, a mais importante é o galato de epigalocatequina (EGCG), representando 65%, seguido pela teanina (4-6%) e pela cafeína (3-4%).

Revisão publicada em 2017, que compilou dados de 21 estudos, avaliou os efeitos do chá verde na cognição e nas funções cerebrais humanas.

Entre os destaques está a ressonância magnética funcional que demonstrou o chá verde agindo na memória de trabalho, aumentando a conectividade do lóbulo parietal direito ao giro frontal médio e, assim, melhorando o desempenho na tarefa cognitiva. Outro estudo de neuroimagem analisado descobriu que o chá verde aumentou significativamente a ativação no córtex pré-frontal dorsolateral.

Confira outras descobertas da revisão:

• A ingestão de EGCG teve um efeito calmante e alívio do estresse, além de aumentar a atividade geral das ondas alfa, beta e teta no EEG. Uma tomografia eletromagnética cerebral de baixa resolução mostrou que o giro frontal e frontal medial foram a fonte dessa ativação.
• A combinação de L-teanina e cafeína levou a um menor tempo de resposta e maior precisão em uma tarefa de mudança de atenção. A L-teanina teve esse efeito benéfico apenas quando combinada com cafeína, não repetindo sozinha.

Os pesquisadores concluíram que o chá verde e seus principais ingredientes podem melhorar a cognição, a neuropsicologia e as funções cerebrais. Os resultados da pesquisa sobre o consumo diário habitual de chá verde de pelo menos 100 ml por dia sugerem que os principais benefícios a longo prazo são melhores funções cerebrais, um estado de espírito mais relaxado e um menor risco de demência.

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