Os segredos da saúde nas regiões que mais têm centenários
As últimas décadas trouxeram diversas melhorias na qualidade de vida da população, o que potencializou o combate a doenças tradicionais e levou a um avanço nas expectativas de vida de todas as regiões. Para continuar progredindo, e ainda acrescentar qualidade à longevidade, o desafio da medicina e da nutrição é olhar com atenção para as doenças não transmissíveis, como a obesidade e o Alzheimer, entre outras.
O caminho para essa nova evolução inclui a implementação dos aprendizados obtidos ao se analisar a longevidade saudável de certas comunidades pelo mundo. Cinco delas, localizadas em diferentes continentes, foram agrupadas pelo conceito de Blue Zones. Nesses locais, as pessoas passam frequentemente dos 100 anos de idade. E vivendo com saúde. Saiba mais sobre essas regiões e confira estudos feitos com as suas populações.
O que são Blue Zones
Enquanto preparava uma matéria sobre longevidade, que seria publicada na revista National Geographic, o pesquisador Dan Buettner encontrou cinco regiões do planeta onde parte considerável da população vivia além dos 100 anos.
Com a ajuda de outros pesquisadores, a reportagem da revista virou um livro, intitulado, especificamente, Blue Zones. Nele, os autores listaram nove denominadores comuns entre os centenários dessas regiões, chamadas de Power Nine. São características de estilo de vida, alimentação e atividade física, que podem ter relação com a desaceleração do envelhecimento
Power Nine
1. Mover-se constantemente, cuidando do dia a dia da casa e evitando o excesso de equipamentos mecânicos para o trabalho da casa, como portões automáticos, por exemplo.
2. Cultivar objetivos superiores. Os habitantes de Okinawa o chamam de Ikigai e os Nicoya o nomeiam de plano de vida. Para ambos, isso significa “por que acordo todas as manhãs”.
3. Reduzir a marcha em alguns momentos. Os moradores de Okinawa reservam alguns momentos todos os dias para se lembrar de seus ancestrais; Adventistas oram; Ikarians tiram uma soneca; e os sardos fazem happy hour.
4. Controlar a quantidade de alimentos. Hara hachi bu, o mantra de 2.500 anos dito antes das refeições, lembra os nascidos em Okinawa da necessidade de parar de comer quando seus estômagos estiverem 80% cheios.
5. Preferência por vegetais. Feijão, soja e lentilhas são a base da maioria das dietas centenárias. Carne é comida, em média, apenas cinco vezes por mês.
6. Consumo moderado de álcool. Pessoas em todas as Blue Zones (exceto adventistas) bebem álcool moderada e regularmente. Em média, consomem 1 a 2 copos por dia, com amigos e/ou com comida.
7. Priorizar a família. Manter os pais e avós idosos por perto ou em casa, se comprometer com um parceiro de vida e investir tempo e amor com os filhos.
8. Cultivar a espiritualidade. 98% dos centenários entrevistados pertenciam a alguma comunidade religiosa. A denominação não parece importar.
9. Ter companhias com os mesmos objetivos . As pessoas que viveram mais tempo no mundo escolheram – ou nasceram em – círculos sociais que apoiavam comportamentos saudáveis. Os okinawanos criaram moais – grupos de cinco pessoas que prestam apoio social por toda a vida.
Confira uma seleção de estudos que investigaram aspectos específicos das Blue Zones.
A dieta e o estilo de vida dos centenários de Okinawa
Artigo publicado no Indian Journal Community Medicine analisou as causas da longevidade na ilha japonesa, que registra média de 35 centenários a cada 100.000 habitantes. O estudo se focou em dois principais eixos: alimentação e estilo de vida.
Dieta de Okinawa
Os adultos mais velhos comem, em média, 300g de vegetais por dia, três ou quatro vezes mais do que as gerações mais jovens. A preferência é por soja, tofu e goya – uma cabaça amarga conhecida no Brasil como melão de São Caetano.
As mulheres de Okinawa também têm uma ingestão muito elevada de estrogênios naturais por meio da sua dieta, principalmente da soja. De forma geral, os vegetais cultivados no solo vulcânico da ilha são ricos em vitamina C e polifenóis, que têm funções antioxidantes.
Os centenários de Okinawa são majoritariamente magros, com um índice de massa corporal (IMC) médio entre 18 e 22. Eles praticam uma dieta de baixa caloria e baixa carga glicêmica, controlando as calorias através de um hábito cultural conhecido como hara hachi bu (comer até ficar 80% satisfeito). Além disso, permanecem fisicamente ativos de forma natural por toda a vida.
Estilo de vida em Okinawa
O senso de propósito de vida é tão forte no Japão que tem seu próprio nome: ikigai. Segundo essa linha de pensamento, é preciso nortear os diversos aspectos da vida de acordo com os propósitos de cada pessoa.
Assim como em outras Blue Zones, os adultos mais velhos se mantêm ativos de forma natural, pedalando, praticando karatê ou tai-chi, dançando, caminhando e cultivando a própria horta. A atividade física não é isolada, mas praticada em conjunto, fazendo com que os idosos se sintam membros ativos da comunidade. Atividades mais intensas, como academias de ginástica ou corrida, têm menor adesão entre os idosos.
Outro fator em Okinawa é que as pessoas cuidam umas das outras, formando laços mais coerentes e solidários do que os observados nas culturas ocidentais. Eles praticam uma atitude positiva em relação à vida, o que explica os níveis extremamente baixos de estresse experimentados por esses idosos.
Perfil dos centenários da Ilha de Ikaria
Estudo realizado pela Escola de Medicina da Universidade de Atenas avaliou características demográficas, de estilo de vida e psicológicas de idosos residentes na Ilha de Ikaria, Grécia. Foram estudados 89 homens e 98 mulheres com idade superior a 80 anos, que tiveram seus dados levantados por meio de questionários.
A maioria dos participantes longevos relatou praticar atividades físicas diárias, ter hábitos alimentares saudáveis, evitar fumar, socializar-se com frequência, cochilar ao meio-dia e desenvolver índices baixíssimos de depressão.
Hábitos alimentares em Nicoya e na Sardenha
Artigo publicado em Nutrients comparou os hábitos alimentares de duas amostras representativas dos idosos mais velhos da população residente nas Blue Zones da península de Nicoya (Costa Rica) e na parte montanhosa de Ogliastra (Sardenha, Itália).
Em ambas as populações, as frequências mais altas de consumo foram registradas para alimentos derivados de plantas (especialmente cereais e legumes), seguidos pelos de origem animal (principalmente laticínios e carne).
Os pesquisadores destacaram que a carne, preparada em casa, a partir de animais criados por eles próprios, pode preservar os idosos da perda excessiva de massa muscular, promovendo indiretamente a longevidade. O mesmo ocorre com os alimentos lácteos, como queijo fresco feito em casa, que são consumidos diariamente por 50% dos idosos de Nicoya e por 80% dos da Sardenha.
Outro comportamento alimentar compartilhado pelas duas populações é o baixo consumo de doces, com metade dos homens de Nicoya e dois terços dos homens da Sardenha consumindo menos de 2 porções por mês. Além disso, o consumo de café foi abundante entre os participantes do estudo: mais de 85% dos idosos de Nicoya e mais de 75% dos da Sardenha bebem café diariamente.
Resiliência dos habitantes da Sardenha
Estudo publicado em Behavioral Sciences investigou a resiliência, a satisfação com os laços sociais e outros indicadores psicossociais de idosos que vivem na Ilha da Sardenha. O termo “resiliência” tem uma variedade de significados na literatura, mas, em termos gerais, refere-se à adaptação positiva em face da adversidade.
A qualidade das relações sociais com familiares ou amigos é repetidamente identificada como um fator-chave na promoção da adaptação bem-sucedida ao estresse e à adversidade e, em idosos, é considerada um importante recurso externo para o envelhecimento bem-sucedido.
A pesquisa mostrou que os adultos mais velhos dessa Blue Zone exibem uma combinação de baixa ocorrência de doenças mentais e alta percepção de bem-estar, que é indicativo de ajuste psicológico robusto e sugere alta resiliência e sucesso no envelhecimento.
Esses achados somam-se a indicações crescentes de que o estilo de vida e a cultura dessa região promovem laços sociais estreitos entre familiares e membros da comunidade, o que contribui para o aumento da longevidade e saúde psicológica dessa população. Assim, a satisfação com a família ou amigos foi considerada um preditor de todos os resultados examinados no estudo.
Expandindo o conhecimento
Gostaria de conhecer detalhes sobre os os estudos que analisaram as Blue Zones? Confira abaixo a bibliografia que embasou esse texto. Quer compartilhar esse conhecimento com seus pacientes? Compartilhe o post Cinco Pilares do Envelhecimento Saudável, que está publicado no blog da Essentia Pharma.
Buettner D, Skemp S. Blue Zones: Lessons From the World’s Longest Lived. Am J Lifestyle Med. 2016 Jul 7;10(5):318-321. doi: 10.1177/1559827616637066. PMID: 30202288; PMCID: PMC6125071.
Mishra BN. Secret of eternal youth; teaching from the centenarian hot spots (“blue zones”). Indian J Community Med. 2009 Oct;34(4):273-5. doi: 10.4103/0970-0218.58380. PMID: 20165615; PMCID: PMC2822182.
Panagiotakos DB, Chrysohoou C, Siasos G, Zisimos K, Skoumas J, Pitsavos C, Stefanadis C. Sociodemographic and lifestyle statistics of oldest old people (>80 years) living in ikaria island: the ikaria study. Cardiol Res Pract. 2011 Feb 24;2011:679187. doi: 10.4061/2011/679187. PMID: 21403883; PMCID: PMC3051199.
Nieddu A, Vindas L, Errigo A, Vindas J, Pes GM, Dore MP. Dietary Habits, Anthropometric Features and Daily Performance in Two Independent Long-Lived Populations from Nicoya peninsula (Costa Rica) and Ogliastra (Sardinia). Nutrients. 2020 Jun 1;12(6):1621. doi: 10.3390/nu12061621. PMID: 32492804; PMCID: PMC7352961.
Fastame MC, Hitchcott PK, Mulas I, Ruiu M, Penna MP. Resilience in Elders of the Sardinian Blue Zone: An Explorative Study. Behav Sci (Basel). 2018 Feb 26;8(3):30. doi: 10.3390/bs8030030. PMID: 29495425; PMCID: PMC5867483.
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